Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
16 de Abril de 2024
    Adicione tópicos

    O verdadeiro rombo é a dívida pública, não a previdência social

    O Brasil precisa universalizar a previdência social e não cortar, reduzir. No final de abril a dívida pública alcançou R$ 1,9 trilhão. "Aqui reside o verdadeiro"rombo"das contas públicas brasileiras, pois o pagamento de juros e amortização da dívida pública compromete 30% do orçamento público brasileiro", afirma Evilásio Salvador.

    Em defesa da previdência social pública e universal

    Evilásio Salvador*

    O presidente Lula sancionou acertadamente o reajuste de 7,7% dos aposentados que ganham acima do piso previdenciário de um Salário Mínimo (SM), aprovado pelo Congresso Nacional, que correspondente à inflação do ano passado mais 80% do crescimento do PIB. O impacto para as contas públicas, de acordo com o Ministério da Fazenda será de R$ 1,6 bilhão neste ano. Essa situação foi o suficiente para provocar a ira dos fiscalistas e (neo) liberais de plantão, defensores do Estado Mínimo (para os trabalhadores e para os direitos sociais) que voltaram a carga com a velha ladainha que o reajuste vai aprofundar o "rombo" das contas públicas e que a previdência social é "insustentável no país".

    Esses profetas do caos1 não mostraram nenhuma preocupação com o "equilíbrio" fiscal, quando o Banco Central aumentou a taxa básica de juros da economia. Aliás, caso seja confirmada a previsão do mercado financeiro que o aumento da Selic pode atingir 11,75% neste ano, haverá um aumento de, no mínimo, R$ 8 bilhões nas despesas do governo em 2010 e R$ 12,1 bilhões no próximo ano.2 No final de abril a dívida pública alcançou R$ 1,9 trilhão, sendo que 36% dela esta atrelada a Selic. Aqui reside o verdadeiro "rombo" das contas públicas brasileiras, pois o pagamento de juros e amortização da dívida pública compromete 30% do orçamento público brasileiro. No período de 2000 a 2009, o Fundo Público transferiu o equivalente a 45% do PIB produzido em 2009 para os rentistas, o que seria suficiente o governo federal custear a educação durante 40 anos, se mantido o mesmo valor gasto 2009. Ou ainda, pagar por 7 anos os benefícios previdenciários para mais de 23 milhões de aposentados e pensionistas. Enquanto, os juros da dívida beneficiam somente 20 mil famílias.

    O descasamento entre os benefícios do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) iguais a um SM e aqueles superiores a este valor é resultado direto da "reforma" da previdência social de 1998, que fixou o teto de benefício em valor nominal na Constituição, corrigido anualmente de formar a preserva o seu valor real. Anteriormente, o teto era fixado na legislação infraconstitucional, em geral a regra era o valor equivalente a dez SMs. A modificação feita pela "reforma" permitiu que o governo adotasse critérios diferenciados para o reajuste dos benefícios. Com efeito, desde dezembro de 1998, o Ministério da Previdência Social vem adotando índices diferenciados para correção dos valores dos benefícios acima do piso previdenciário, que prevaleceu atrelado ao salário-mínimo.

    Assim, enquanto o piso previdenciário, acompanhando o reajuste do SM, teve seu valor majorado em 325% no período de 01/05/1997 a 01/01/2010, o teto dos benefícios previdenciários acumulou um reajuste de 256,80%. A passagem do critério anterior dez SMs para um valor nominal vem provocando uma crescente incerteza quanto ao valor efetivo do teto dos benefícios no futuro, principalmente para parte das pessoas com renda superior ao piso previdenciário, além de obrigar os trabalhadores a buscar o complemento da renda com a volta ao mercado de trabalho.3 Essa regra também serve de incentivo à busca de complementação da aposentadoria via fundo de previdência privado, para os trabalhadores de renda "mais elevada", conforme critérios recomendados pelo Banco Mundial.

    De forma que a participação dos benefícios iguais a um piso previdenciário (um SM) vem aumentando de maneira considerável no conjunto de benefícios emitidos pela previdência social. Em 1997, menos da metade dos benefícios equivaliam a um SM, já em 2010, essa proporção sobe para 67,19%.4

    Desde a Constituição Federal (CF) de 1988, a previdência social juntamente as políticas de saúde e assistência social integra o sistema de seguridade social. Contudo, ainda persiste no debate público a insistente ideia de um déficit previdenciário, que tem servido para a defesa de "reformas" na previdência. Tais alegações se fundamentam nos valores previstos no Orçamento Geral da União nos últimos anos para as despesas previdenciárias, mas são controversos diante dos ditados constitucionais sobre o assunto.

    Mesmo porque, do ponto de vista orçamentário, a Constituição brasileira definiu no seu artigo 165, para os três níveis de governo, que a Lei Orçamentária Anual será composta pelo Orçamento Fiscal, Orçamento de Investimentos das empresas estatais e Orçamento da Seguridade Social. Inexistindo no âmbito constitucional qualquer referência a um orçamento específico para a previdência social.

    O que tradicionalmente os dirigentes da previdência social brasileira divulgam é o resultado financeiro do RGPS por meio do contraste entre a arrecadação líquida e as despesas com benefícios previdenciários do INSS. O legislador, de forma inovadora, determinou a criação de um orçamento com recursos próprios e exclusivos para as políticas da Seguridade Social (saúde, previdência e assistência social) distinto daquele que financia as demais políticas de governo.

    Um dos avanços consagrados na CF 88 diz respeito às bases do financiamento da seguridade social, que foi ampliada para além da folha de pagamento, que historicamente se constituiu fonte única de recursos para previdência social, sobretudo, com as contribuições dos trabalhadores. A simples leitura do artigo 195 da Carta Magna permite concluir que as fontes de financiamento das políticas de previdência, assistência social e saúde, incluem, além das contribuições dos empregados e dos empregadores, a tributação específica sobre a receita, o faturamento sobre o lucro das empresas, que devem ser diretamente vinculadas para a seguridade social. Essas contribuições adicionadas às receitas arrecadadas sobre a folha de pagamentos mais impostos a serem transferidos pelo orçamento fiscal seriam conduzidas para um orçamento próprio.

    A concretização dessa conquista social passa pela efetivação do orçamento da seguridade social. Contudo, o orçamento da seguridade social virou "letra morta" na Constituição. Todos os governos que passaram pelo Palácio do Planalto desde 1988 não transformaram o dito constitucional em ação efetiva. Pelo contrário, apropriaram-se das contribuições sociais destinadas para fins da seguridade social, utilizando-as para outras políticas de cunho fiscal, principalmente o pagamento dos encargos financeiros da União (amortização e juros da dívida), e para realização de "caixa" visando a garantir o superávit primário, principalmente nos anos recentes.

    O orçamento da seguridade social é superavitário como demonstram as análises realizadas pela a Associação Nacional dos Fiscais de Contribuições Previdenciárias (ANFIP), pelo IPEA e os relatórios do TCU. A Anfip a partir das informações da execução orçamentária no Siafi apura na sua metodologia de cálculo do orçamento da seguridade social considera no lado das receitas: COFINS, CSLL, receitas de concursos e prognósticos, as contribuições de empregados e empregadores sobre a folha de salários e mais o Simples, além das contribuições previdenciárias dos contribuintes individuais, do produtor rural e empregador doméstico. E no lado das despesas, o pagamento dos benefícios previdenciários urbanos e rurais, os benefícios assistenciais e as ações do SUS, saneamento e custeio do Ministério da Saúde e os benefícios de transferência de renda. Esse orçamento em 2009 foi superavitário em R$ 21,81 bilhões. Aliás, considerando os saldos de 2000 a 2009, seguridade social teria acumulado um superávit de R$ 418,4 bilhões.5 O relatório do TCU de 20086 também demonstra um resultado superavitário na seguridade social de R$ 7,9 bilhões.7

    Mas, ocorre que os recursos da seguridade social vêm sendo surrupiados para a composição do superávit primário e o pagamento dos juros da dívida pública. Desde 1993, vigoram no país mecanismos de transferências de parte arrecadação exclusiva da seguridade social para o orçamento fiscal. Inicialmente, o chamado Fundo Social de Emergência (FSE). O FSE foi substituído por um nome mais apropriado8, nos exercícios financeiros de 1994 e 1995: Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e depois, em 2000, pela Desvinculação das Receitas da União (DRU), ainda em vigor. A essência dos três instrumentos é a mesma, ou seja, permitir a desvinculação de 20% das receitas arrecadadas pela União. A DRU é a alquimia que transforma recursos que pertencem à seguridade social em receitas do orçamento fiscal.9 No período de 2000 a 2007, foram transferidos para o orçamento fiscal R$ 278,4 bilhões, em valores atualizados pelo IGP-DI, que pertenciam às políticas da seguridade social.10 Esse montante equivale a cinco vezes o orçamento anual da saúde e quase dez vezes o orçamento da assistência social. Nesse período de cada R$ 100,00 de superávit primário da União, pelo menos R$ 65,00 foram retirados por meio da DRU do orçamento da seguridade social.

    Por fim, constitui-se um mito dizer que o sistema previdenciário brasileiro é generoso e que os brasileiros se aposentam cedo. Primeiro, porque mais de 75% das aposentadorias concedidas são por idade e a idade média de aposentadoria urbana tem sido de 66 anos para os homens e 61 anos para as mulheres. O Brasil se configura como um país de elevada exigência para gozo de benefício da aposentadoria, acima de diversos países no mundo.11 A situação é mais grave, no Brasil, pela inexistência de um estado de proteção social e à não construção de um mercado de trabalho plenamente assalariado. Nenhuma proposta de reforma da previdência pode ignorar a heterogeneidade social do Brasil e a precariedade do nosso mercado de trabalho.

    O Brasil precisa universalizar a previdência social. As modificações devem ser no sentido da inclusão social e não ao contrário. Temos metade da População Economicamente Ativa (PEA) fora da previdência social e 20% da população idosa sem receber nenhum benefício social. Nesse sentido, é urgente cumprir os ditames constitucionais do orçamento da seguridade social, garantido a exclusividade de suas receitas, acabando com a DRU e a universalização da proteção social no Brasil.

    1 Ver nesse sentido: FAGNANI, E. Os profetas do caos e o debate recente sobre a seguridade social no Brasil. In: FAGNANI, E.;HENRIQUE, W.;LÚCIO, C. Previdência Social: como incluir os excluídos?. São Paulo: LTR, 2008, p. 31-43.

    2 KHAIR, A. O rato e o elefante. São Paulo, 17 de junho de 2010.

    3 SALVADOR, E. Implicações da reforma da previdência sobre o mercado de trabalho. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, v. 81, p. 7-39, 2005.

    4 Boletim Estatístico da Previdência Social - Vol. 15 Nº 5.

    5 As publicações com resultados do orçamento da seguridade social de 2000 a 2008 estão disponíveis no site http://www.anfip.org.br/publicacoes/livros/publicacoes_livrosindex.php?t=3 . O resultado de 2009 (publicação no prelo) foi divulgado na exposição de Floriano Martins (Anfip) no seminário Direitos Sociais, em 17/06/2010. Disponível em http://www.direitosociais.org.br/publicacoes.php?id=342

    6 TCU. Relatório e pareceres prévios sobre as contas do Governo da República de 2008. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2009.

    7 Resta assinalar que a seguridade social está inflada de despesas que deveriam ser do orçamento fiscal, como o pagamento de benefícios sociais (auxílio creche, auxílio saúde etc) a servidores públicos federais, as despesas com a saúde das forças armadas e as aposentadorias dos servidores públicos.

    8 Pois, o Fundo Social de Emergência não tinha nada de "social" e muito menos de "emergência".

    9 BOSCHETTI, I.; SALVADOR, E. Orçamento da seguridade social e política econômica: perversa alquimia. Serviço Social e Sociedade. São Paulo, v. 87, 2006, p. 25-57.

    10 Ver nesse sentido. SALVADOR, E. Fundo público e seguridade social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010.

    11 Ver nesse sentido MATIJASIC, M.; KAY, S.; RIBEIRO, J. Aposentadorias, pensões, mercado de trabalho e condições de vida: o Brasil e os mitos da experiência internacional. In: In: FAGNANI, E.;HENRIQUE, W.;LÚCIO, C. Previdência Social: como incluir os excluídos?. São Paulo: LTR, 2008, p. 431-450. Os autores fazem importantes críticas aos argumentos de Giambiagi (2006) e Tafner (2007) que os benefícios de aposentadorias são generosos em demasia. E demonstram que a idade mínima de aposentadoria é apenas uma referência e não o mínimo para a saída da força de trabalho no mercado

    * Professor da UNB-Brasilia e colaborador do Inesc.

    Fonte: www.direitosociais.org.br 18/11/2010

    • Publicações3341
    • Seguidores5
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações3037
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/o-verdadeiro-rombo-e-a-divida-publica-nao-a-previdencia-social/2979700

    Informações relacionadas

    Tribunal Regional Federal da 4ª Região
    Jurisprudênciahá 4 anos

    Tribunal Regional Federal da 4ª Região TRF-4 - APELAÇÃO CIVEL: AC XXXXX-20.2019.4.04.9999 XXXXX-20.2019.4.04.9999

    Celeste Oliveira Silva, Advogado
    Modeloshá 9 anos

    Ação de benefício previdenciário de auxílio doença e/ou aposentadoria por invalidez

    Tribunal Regional Federal da 3ª Região
    Jurisprudênciahá 3 anos

    Tribunal Regional Federal da 3ª Região TRF-3 - APELAÇÃO CÍVEL: ApCiv XXXXX-84.2019.4.03.9999 SP

    Orlando Pereira, Advogado
    Modelosano passado

    Modelo de Recurso Inominado /Juizado Especial Federal /Reconhecimento de Vínculo /Empregado Doméstico /Carência para fins de aposentadoria

    Conselho Nacional de Justiça
    Notíciashá 8 anos

    CNJ Serviço: Saiba as consequências da inclusão na Dívida Ativa da União

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)